Não existe quem não se contrarie com algo que foi prometido e não cumprido. Afinal, aqueles que confiam na promessa muitas vezes baseiam suas decisões e ações nessa palavra. O descumprimento de uma promessa pode levar a desentendimentos, conflitos e rupturas. Isso é especialmente verdadeiro em relacionamentos familiares ou de amizade, onde a confiança desempenha um papel crucial.
A imagem de uma pessoa ou entidade pode ser severamente prejudicada por promessas não cumpridas. No mundo dos negócios, por exemplo, a reputação é um ativo valioso. Uma empresa que não cumpre suas promessas pode perder clientes e parcerias.
A promessa causa tanto impacto na vida das pessoas que, ao longo da história, tem sido tema de reflexão por pensadores em várias perspectivas. Tais estudiosos buscam investigar sua exequibilidade, intuir sobre sua legitimidade ou ainda descobrir suas consequências mais amplas nas atividades humanas.
Nietzsche, no livro 100 aforismos sobre o amor e a morte, reflete sobre a viabilidade de cumprir uma promessa: “Quem promete a alguém amá-lo sempre, ou sempre odiá-lo ou ser-lhe sempre fiel, promete algo que não está em seu poder”. Nesse sentido, ele coloca em dúvida a capacidade humana de prever e controlar suas próprias ações futuras, sugerindo que as promessas podem ser feitas sob uma ilusão de controle sobre o que está por vir.
Em um viés mais pragmático, Maquiavel, em O Príncipe, trata dos limites de um governante ao honrar sua palavra: “O quão louvável é que um príncipe honre a sua palavra e viva de uma forma íntegra, cada qual o compreenderá. Todavia, a experiência nos faz ver que, nestes nossos tempos, os príncipes que mais se destacaram pouco se preocuparam em honrar suas promessas; que além disso, eles souberam, com suas astúcias, ludibriar a opinião pública.” Maquiavel reconhece que, no campo político, a quebra de promessas pode ser uma ferramenta necessária para a manutenção do poder, refletindo os limites éticos e práticos do cumprimento de promessas.
Já Hannah Arendt, em A condição humana, ressalta o papel estabilizador da promessa. Para ela, a capacidade de fazer promessas permite a estabilização das relações humanas, conferindo uma previsibilidade essencial para a convivência social. A promessa, assim, aparece como uma força que ameniza a incerteza do futuro, proporcionando uma base de confiança entre as pessoas.
Essas reflexões filosóficas demonstram que a promessa transcende o mero ato de se comprometer com algo. Ela é, em sua essência, uma ferramenta que permite o convívio e a confiança nas relações humanas. Além disso, a promessa serve como um pilar fundamental da ética e da moralidade, pois estabelece um padrão de responsabilidade que vai além do indivíduo. Quando uma pessoa faz uma promessa, ela cria uma expectativa nas outras partes envolvidas, e essa expectativa é o que alicerça o relacionamento interpessoal. A quebra de uma promessa, por sua vez, não apenas compromete a confiança, mas também gera um impacto emocional que pode ressoar por muito tempo. Além disso, as promessas são essenciais em contextos sociais e culturais, funcionam como contratos sociais que regem normas e comportamentos. Elas permitem que as comunidades se unam em torno de objetivos comuns, incentivando a colaboração e a solidariedade. Em um mundo onde a incerteza predomina, a promessa se torna uma âncora emocional que ajuda os indivíduos a navegar em suas interações com segurança e esperança. Por fim, ao refletimos sobre a importância da promessa, percebemos que ela corresponde ao nosso desejo humano por conexão e compreensão. No ambiente atual, onde a comunicação se torna cada vez mais rápida e efêmera, cultivar a habilidade de fazer e honrar promessas é mais relevante do que nunca, pois garante que os laços sociais permaneçam firmes e significativos.
Mas, quais seriam os impactos de uma promessa no âmbito das aplicações práticas do mundo jurídico?
Nesse sentido, é preciso levar em consideração as possibilidades de proteção legal das promessas no contexto social.
No campo do direito civil, por exemplo, a promessa assume relevância como uma figura jurídica de caráter obrigacional. O Código Civil brasileiro, em vários dispositivos, trata das promessas de forma direta ou indireta. O art. 422, por exemplo, aborda a boa-fé e a lealdade que devem reger a execução e a conclusão de contratos. Ou seja, um reflexo direto do dever de cumprir promessas feitas em um contexto negocial. A promessa contratual, vinculada à ideia de obrigação futura, é dotada de força vinculante e pode gerar consequências jurídicas adversas, caso não seja cumprida.
No campo das relações patrimoniais, o contrato de promessa de compra e venda é um exemplo prático e relevante de como a promessa se materializa no direito civil. Esse tipo de contrato, amplamente utilizado na compra de imóveis, representa o compromisso entre as partes de celebrar um contrato definitivo de compra e venda no futuro, sob determinadas condições. Embora não transfira a propriedade imediatamente, ele vincula juridicamente o promitente vendedor e o promitente comprador, criando direitos e obrigações para ambos. O artigo 462 do Código Civil brasileiro reconhece expressamente esse tipo de contrato, permitindo sua execução específica em caso de inadimplemento. Assim, o contrato de promessa de compra e venda reflete a máxima de que “promessa é dívida”, pois ao firmar esse compromisso, as partes assumem obrigações cujo descumprimento pode gerar efeitos jurídicos, inclusive a execução forçada do contrato.
O Código Civil também estabelece, no art. 854, que “aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido”. Este dispositivo legal reflete a ideia de que, ao assumir publicamente uma promessa, a pessoa contrai uma obrigação jurídica, tornando a promessa equiparável a uma dívida formal. A publicidade do ato, aqui, é fundamental para gerar expectativas e direitos, assegurando que o promissor honre o compromisso assumido. O mencionado artigo exemplifica claramente o princípio de que na ordem civil, promessa é dívida, uma vez que o direito reconhece a capacidade de uma promessa pública de gerar obrigações jurídicas plenas. Além disso, a previsão legal expressa reforça a importância da confiança e da boa-fé nas relações jurídicas, visto que aquele que promete está obrigado a cumprir o que foi ofertado. Dessa forma, o ordenamento jurídico não só reconhece, mas também garante a execução das promessas, assegurando o respeito ao princípio da segurança jurídica.
Importante mencionar que a promessa citada no art. 854 é diferente de um contrato, por se tratar de um negócio jurídico unilateral. Contudo, a promessa guarda similaridade com um contrato. Afinal, em ambos há a manifestação de vontade no sentido do cumprimento de uma prestação futura. Assim como no contrato, a promessa gera expectativas e responsabilidades para os envolvidos. Todavia, enquanto os contratos são regidos por regras formais e previsões legais claras, as promessas, especialmente as de cunho moral, podem não encontrar o mesmo nível de garantia jurídica.
Essa distinção, no entanto, não deve ser vista como uma limitação da promessa, mas como uma oportunidade de refletir sobre o papel da confiança e da boa-fé nas relações humanas. Em um mundo onde a imprevisibilidade e a incerteza são constantes, a promessa emerge como um dos mecanismos mais antigos e eficazes de estabilização social e jurídica, regulando expectativas e criando um ambiente de segurança mútua.
Em resumo, na ordem civil, a promessa é mais do que uma questão de palavra. É um instrumento jurídico, social e moral que, ao longo da história, tem sido fundamental para o estabelecimento e a manutenção de relações entre indivíduos, tanto no âmbito pessoal quanto no negocial.
Refletir sobre a promessa é refletir sobre a confiança. E se promessas criam expectativas, cabe questionarmos: até onde estamos dispostos a honrar aquilo que prometemos?
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